O ANIVERSÁRIO EM "A ÚLTIMA
CRÔNICA", DE FERNANDO SABINO
O texto de Fernando Sabino apresenta uma verdadeira
compilação teórica dos elementos constitutivos do gênero crônica. Ele se
utiliza, no primeiro parágrafo, da metalinguagem, ao mencionar que está adiando
o momento da escrita. A seguir, enumera algumas características da crônica,
tais como: busca do pitoresco, do
irrisório, no cotidiano de cada um; captação de aspectos humanos na vida
diária; vislumbre do circunstancial, do episódico, do acidental; o escritor
como espectador, captando a essência de um fato, com o olhar fora de si.
Em “A última crônica”, Fernando Sabino acompanha
uma celebração de aniversário atípica. O cronista observa, em um bar, uma
família de pretos – um casal e sua filhinha – a comemorar o aniversário da
menina. A estranheza principia pelo local incomum. Um botequim não é o ambiente
tradicional para este tipo de festa. Essas comemorações normalmente ocorrem nas
casas das pessoas ou em locais alugados com essa finalidade. Há sempre muita
comida, bebida, brincadeiras, presentes e algazarra. No caso deste texto, pelo
contrário, os três estão sozinhos – apenas o núcleo da família –, meio
deslocados e constrangidos. Devido a seus parcos recursos, podem apenas comprar
um pequeno pedaço de bolo e um refrigerante; as velas foram trazidas na bolsa da
mãe. A despeito de suas condições materiais, a menina encara sua celebração com
expectativa e alegria, como ocorreria em qualquer festa de aniversário. Para
ela, tudo aquilo é novo e o olhar da criança consegue impor magia à dura
realidade.
É interessante mencionar que o autor afirma não
haver ninguém, além dele, a observar o trio. Este comentário é uma indicação do
olhar diferenciado do cronista, sujeito capaz de observar detidamente uma cena
cotidiana e retirar dela algo geral, profundo e belo.
Outro ponto que salta aos olhos é o fato das velas
serem em número de três, assim como os componentes da família e, ao contrário
destes, terem a cor branca. Possivelmente não se trata apenas de coincidência.
Quanto ao desenrolar da celebração, é comovente
perceber que os pais consideram aquele momento extremamente importante, a
despeito da simplicidade da cerimônia.
Assim, não é a abundância material que se destaca
no trio, mas a grandeza de seus sentimentos humanos: a mãe acaricia a filha e o
pai observa o ambiente que os circunda, orgulhoso por poder proporcionar este
momento de felicidade à menina.
Ao final, o preto, de início titubeante, acanhado,
encontra o olhar do autor, o sustenta e emite um sorriso. Novamente o que há de
bom no ser humano surge, representado pela pureza desse sorriso.
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